Rumo a céus mais verdes: A ascensão do combustível de aviação sustentável
Tradução de artigo de Ruella Menezes, Diretora do Setor de Energia da Kline&Co., editado e complementado pela equipe Factor-Kline.
As viagens aéreas tornaram-se uma parte integrante de nosso mundo interligado, com aviões decolando mundialmente num ritmo surpreendente: só o tráfego comercial programado ultrapassa 400 decolagens por hora!
Olhando para meados da década de 2030, espera-se que nada menos que 200.000 voos cruzem os céus por dia globalmente. Entretanto, o setor de aviação não só contribui com 2-3% das emissões globais de CO 2 , como também libera outros gases do efeito estufa e poluentes em altitudes elevadas.
Junto do crescimento robusto que o setor de aviação tem vivenciado, surge o desafio correspondente do crescimento significativo de sua pegada de carbono. Essa ameaça iminente evidencia a necessidade urgente de medidas de sustentabilidade que restrinjam as emissões de carbono e abordem o desafio impendente das mudanças climáticas.
Abram as Portas para o Combustível de Aviação Sustentável
Neste cenário em evolução, o combustível de aviação sustentável (SAF, Sustainable Aviation Fuel) emerge não só como uma solução, mas também como um caminho fundamental para atingirmos céus mais limpos.
O SAF é um combustível líquido produzido a partir de óleos usados e gorduras, resíduos municipais verdes e plantações não-alimentícias. Ele pode também ser produzido sinteticamente por meio de um processo que captura carbono diretamente do ar. O “Sustentável” em SAF refere-se à sua matéria-prima crua que não compete com plantações de alimentos ou com o fornecimento de água, e que não é um resultado do desmatamento. E o que os torna diferentes dos tradicionais combustíveis fósseis? Os combustíveis de aviação sustentáveis reciclam o CO 2 que foi absorvido pela biomassa utilizada na matéria-prima ao longo de sua vida-útil, enquanto os combustíveis fósseis somam no nível geral de CO 2 por emitirem carbono.
Iniciativas Globais em Direção à Aviação Sustentável
Governos e players da indústria estão reconhecendo a necessidade por uma maior penetração dos SAFs na aviação comercial, impulsionando diversas iniciativas e colaborações mundialmente:
Figura 1.0: Iniciativas partindo de diversos governos globalmente, relacionadas aos combustíveis de aviação sustentáveis.
Além disso, os Estados Unidos deram um grande salto tecnológico no começo deste ano: no dia 24 de janeiro, a empresa americana LanzaJet inaugurou a refinaria Freedom Pines Fuels, localizada no Estado da Georgia. Essa refinaria constitui a primeira planta de produção de combustível de aviação sustentável a partir do etanol do mundo, utilizando uma rota tecnológica que ficou conhecida como “Alcohol-to-Jet” (“Do álcool para os
jatos”).
Apesar do salto ser norte-americano, quem mais colherá os frutos deste projeto inicialmente será o Brasil: a fábrica recém-inaugurada da LanzaJet funcionará principalmente à base de etanol de cana-de-açúcar importado de produtores brasileiros já certificados para a produção de matéria-prima para SAFs. O grupo sucroenergético São Martinho já recebeu as certificações exigidas, inclusive o globalmente aceito padrão Corsia, e deverá estar entre os primeiros fornecedores do mercado de SAF norte-americano. Outras importantes empresas brasileiras também estão entrando na corrida para tornarem-se fornecedoras desse mercado em ascensão, com a Raízen, a BP Bunge Bioenergia e as usinas da Copersucar já certificadas com o padrão Corsia.
A certificação, porém, não é o único desafio que empresas brasileiras deverão enfrentar para fornecerem etanol de cana-de-açúcar para a indústria norte-americana de SAFs: para que o combustível seja de fato sustentável, é necessário que suas matérias-primas também o sejam, desde sua produção até o seu transporte. Dessa forma, um dos principais fatores a se contornar é o transporte majoritariamente rodoviário do etanol brasileiro – o Grupo São Martinho, por exemplo, planeja diminuir suas emissões de carbono por meio da utilização do transporte ferroviário.
Desde que foram introduzidos no mercado, mais de 490.000 voos em todo o mundo já utilizaram SAFs, com mais de 42.249 milhões de litros em acordos de compra (acordos offtake) anunciados até hoje. A United Airlines está liderando essa tendência, tendo assegurado 14.299 litros dos acordos de compra. Já a Boeing e a Airbus se comprometeram a desenvolver, até 2030, aeronaves que operem integralmente com SAFs.
Figura 2.0: Volumes de Ofertas Offtake anunciados por ano, em milhões de litros.
Desafios no Horizonte
Apesar das promessas e iniciativas globais em direção aos SAFs, sua adoção generalizada enfrenta diversos obstáculos atualmente. A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA, International Air Transport
Association) planeja substituir 65% dos combustíveis tradicionais por SAFs até 2050, processo que exigirá 449 bilhões de litros desse tipo de combustível.
Entretanto, apenas 300 milhões de litros foram produzidos até 2022, revelando um buraco de produção substancial. Isso levantou preocupações na indústria de que o aumento dos mandatos sobre SAFs ultrapassem a capacidade de produção e oferta, levando a potenciais picos nos preços, que por sua vez poderiam dissuadir os compradores.
As companhias aéreas, já disputando com os altos preços dos biocombustíveis, estão considerando passar o potencial aumento dos preços para seus consumidores. A Autoridade Civil de Aviação da Singapura (CAAS, Civil Aviation Authority of Singapore), por exemplo, exige o uso de SAFs em todos os voos partindo de Singapura, e planja introduzir uma arrecadação de SAFs para garantir seguridade de custos para as companhias aéreas e para os passageiros. Essa decisão implica num potencial aumento nos preços das passagens em cerca de S$3 ($2,23), S$6 e S$16 para passageiros da classe econômica em voos diretos de Singapura para Bangkok, Tóquio e Londres, respectivamente – mas será que os consumidores estão dispostos a arcar com esses custos adicionais?
Ao passo em que a indústria de aviação navega num caminho em direção à sustentabilidade, é essencial garantir uma fonte de combustíveis de aviação sustentáveis, tornando os negócios mais rentáveis e em prontidão para alcançar os objetivos de sustentabilidade até 2050. A jornada até céus ambientalmente “amigáveis” exige o mesmo comprometimento colaborativo de governos, players da indústria e passageiros, reconhecendo que um futuro sustentável não apenas é um objetivo, como também um imperativo para o
setor de aviação.
Este artigo traduzido faz parte da coletânea da Bússola do Valor Verde da Kline. Para auxiliarmos você a desbloquear o valor comercial de investimentos sustentáveis, entre em contato conosco e saiba mais sobre nossa Bússola.
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